Clarissa - Capítulo IV: O Desgosto

Clavícula e costelas quebradas, Clarissa agora passava seus dias a assistir tevê. Lembrava-se apenas de alguns relances do acidente, nada conexo. Dias arrastados. Já não eram de muita emoção há tempos, mas agora, com sua mãe instalada dentro da sua casa para os cuidados necessários, a rotina tornou-se algo quase insuportável. Por um milésimo de segundo sentiu vontade de estar no balcão da farmácia... mas a vontade foi tão efêmera que voltou a se entreter com o seriado na tevê.

E foi assim por dias, semanas e semanas. Alguns amigos mandavam mensagens de ânimo pelo Facebook ou pelo Whatsapp. Alguns poucos foram visitá-la em casa. Mas o que contribuiu de fato para o aumento da tristeza em seus dias acinzentados é que ele - por quem saíra de casa aquela noite, a razão de ter batido o carro, o homem para quem se declararia - não se importou com o estado dela. Ele não mandou mensagem no Facebook, nem no Whatsapp e nem foi vê-la. A hipótese de que ele não soube do acidente foi afastada, porque ela mesma incumbiu alguém de sua inteira confiança para que providenciasse isso. E assim foi feito. Ela aguardou por dias, semanas e semanas um contato, ao menos um "como você está?", qualquer palavra que demonstrasse que ele ainda se importava com ela... mas não aconteceu. Aquela angústia de não ser correspondida em seus anseios, tornava os dias ainda mais fatigantes. A ausência dele, a presença da mãe em seu espaço e a impossibilidade de locomoção, tudo isso fazia com que ela olhasse para o céu e se imaginasse um pássaro, voando para longe dos seus problemas, das suas agonias.

Mas o tempo é sempre solidário a quem sofre. E sua dor foi se dissipando, dia após dia, semana após semana. Clarissa, que pensava demais, decidiu parar de pensar. Não é tão simples, mas era um exercício que ela se propôs a fazer. Sempre que, por um segundo, lembrava-se dele, logo tratava de desviar o pensamento. Tomou um foco e resolveu se dedicar a outras coisas. Suas costelas e clavícula se curaram, seu coração ainda não. Entretanto, ela sabia que devia agir rápido para curá-lo e de seu desgosto surgiu uma fagulha.

De volta a sua rotina - sem mãe, sem ele - pôs-se procurar atividades novas. Foi estudar francês, fazer natação e aprender tocar violão. Se arrumou, pintou o cabelo, fez uma tatuagem, trocou as roupas do armário e viu que tudo aquilo lhe fazia bem. Voltou a sorrir. E seu sorriso atraia olhares e convites e noites com companhias muito agradáveis. Assim, Clarissa foi voltando a viver. Desviando pensamentos, controlando emoções, seus dias voltaram a ter cores. Lágrimas de saudade, não mais.

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