Clarissa - Capítulo I: A Saudade

Clarissa chegou em casa mais pensativa do que o normal. Pensa muito, conclui demais... até mais do que deveria. Quisera Clarissa pensasse menos, concluísse menos, talvez tudo fosse mais claro.
Mas ela tem melhorado. Tem se permitido sentir mais. Sentir a terra, sentir o vento, sentir o coração... Coração este que sempre revela tantas surpresas.

Abriu a porta e ligou a lâmpada, encostou-se no portal e depois a apagou, ligou novamente e tornou a apagar, outra vez e outra vez... e o olhar parado fitava um móvel qualquer da sala. Resolveu deixá-la ligada. A luz lhe fazia bem.

Hoje, ao chegar em casa tão pensativa, se jogou no sofá: pés para cima, mãos cruzadas atrás da cabeça. Fez um backup do seu dia, guardou as sensações boas, tirou as devidas lições das ruins e, como um astronauta solto no espaço, começou a pensar...

Sentia saudade dele. Do toque, das mãos no seu cabelo, do peito em que se afagava, do olhar triste, das poucas palavras proferidas, das perguntas instigantes, dos sonhos voláteis... Sentiu saudade dos momentos que estiveram juntos e sentiu ainda mais dos que não estiveram. Daqueles que gostaria de ter vivido. E esta segunda saudade fez uma lágrima rolar pelo canto do olho e escorrer até cair nos cabelos – agora curtos – esparramados pelo sofá.

A saudade lhe assolou de tal forma que ela pensou "e se eu ligasse e...", entretanto não conseguiu concluir. Sentiu que não seria capaz de dizer nada, porque o sentimento lhe tomava tanto a ponto de lhe bloquear o ar e, consequentemente, a voz. Quando se tratava dele e da saudade que arrebatava seu coração, a sensação era tão avassaladora que precisava sair daquele momento a todo custo. Então, pôs-se a lembrar de outros amores, para ver se alguma outra saudade concorria com a dele.

E foi lembrando, lembrando, lembrando e quando viu, já estava pensando no Lucas, o namoradinho da 4ª série. Céus! Como eram maravilhosos seus problemas da 4ª série! Daria tudo para ter um "relacionamento conturbado" como o que tinha com o Lucas, na 4ª série! E começou a rir. A estratégia de desfocar a saudade havia dado certo. Agora, punha-se a recordar - com saudade - a falta de problemas de quando tinha 10 anos. Sentiu saudade das cartinhas escritas em papéis decorados e perfumados e, por um lampejo, lembrou-se de todos os atuais SMS não respondidos. Saudade da balinha Freegell's de cereja deixada dentro do caderno na hora do recreio. Saudade dos longos minutos depois da aula conversando na pracinha perto de casa. Saudade daquele beijo tímido e rápido dado ao se despedir. 

A lembrança do beijo tímido e rápido do Lucas a trouxe de volta ao mundo, ao seu sofá. Nova lágrima voltou a rolar quando se lembrou do primeiro beijo que deram naquela festa. De como ele estava bonito e gentil naquele dia. E uma segunda lágrima escorreu em direção aos cabelos quando percebeu que não se recordava do último beijo que haviam dado um no outro. 

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