Clarissa - Capítulo II: O Arrependimento

Permaneceu no sofá por mais de uma hora, entre devaneios e saudades. Até que foi interrompida por uma dor forte, daquelas que são acometidas as pessoas que não comem há mais de cinco horas. De fato, deveria estar com fome. As quatro bolachinhas Mabel e o café do lanche há muito haviam virado quimo. Ai o café... Clarissa tem gastrite. Como um bichinho de estimação ela começou a se desenvolver por conta de um relacionamento mal sucedido há uns oito anos. Acordava, pensava nele e o estômago doía. Saia correndo para o banheiro para vomitar, mas nada saía além de um líquido amarelo e amargo... tão amarga quanto a sensação de pensar naquela relação que estava vivendo. Lembrou-se daqueles dias e se arrependeu. Por instantes, se perguntou como pôde levar por tanto tempo algo que lhe fazia tão mal?

Levantou-se e foi para a cozinha preparar algo para comer. Podia fazer um bolo... mas sempre ficavam recobertos de mofo após o terceiro dia, pois não havia ninguém para comer com ela. Por isso Clarissa fazia bolo para as visitas: gostava de ter com quem dividir. Entretanto, como sempre, optou pelo bom e velfho sanduíche de presunto com queijo. Ela acredita, inclusive, que as bandejinhas de frios fatiados vendidos no supermercado foram a melhor invenção feita para os solteiros. Um sanduíche no café, outro no almoço, lanche e jantar. Preparou seu sanduíche e o traçou com um geladíssimo copo de Coca-Cola. Os mais rigorosos podem se perguntar: mas, e a gastrite? Clarissa sabe das coisas que lhe fazem mal e se envergonha por não conseguir parar de consumi-las. Sente dentro de si uma tristeza toda vez que faz algo que não deveria, e esse, é mais um dos arrependimentos que ela carrega em si: de não conseguir ser mais forte que suas vontades.

Clarissa tem uma coleção de coisas que faria diferente se pudesse voltar no tempo. Não teria ficado apaixonada tanto tempo por um menino só na adolescência, não teria feito o curso superior que fez, teria insistido mais com a mãe para conhecer o pai, não teria transado nenhuma vez sem camisinha, teria viajado para a Europa em vez de comprar um apartamento, mais banhos de chuva, menos intrigas, mais porres...

Ainda meio abalada pela saudade do capítulo anterior, Clarissa se chateou. Ficou brava consigo e com seus impulsos, tanto pela falta de controle relatada acima, quanto ao descontrole emocional nos momentos de raiva. Por que havia sido tão dura com ele? Pra que falou tanta coisa que ele não merecia ouvir? Sim, ele havia errado. Pisou na bola. Magoou-a. Todavia ela havia sido intransigente demais. E se arreepende por isso. E por não conhecê-lo, pensou que voltaria. Mas não voltou. Então, com o tempo se deu conta do quanto o havia ferido com suas palavras. Clarissa traz em si essa culpa, como tantas outras, mas não sabe como voltar atrás... Já quis ir até sua casa e dizer tudo que sente e pedir desculpas e se proporcionarem uma nova chance, mas não conseguiu... Enquanto isso, ela fica assim: oscilando entre o desejo de tê-lo novamente ao seu lado e a incapacidade de se mover, a inércia que a prende onde está.

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