Garupa

Hoje senti saudade.
Sabe, aquele misto de coisa boa com coisa ruim - tipo soro caseiro, que mistura sal com açúcar - que vem no peito de vez em quando ao lembrarmos de alguém ou de alguma situação.
Saudade pra mim é isso: fico feliz por ter vivido e convivido, mas fico triste porque não vou viver e conviver novamente... não sob as mesmas circunstâncias.

Lembrei da garupa da bicicleta Monark dourada ano 85 do meu pai.

Papai me levava todos os dias para a escola montada na bicicleta. Ele, marceneiro, fichado na Prefeitura Municipal de Itapuranga, pai de filha única. Bom pai. Eu, aluna da Escola Estadual Joaquim da Silva Moreira, pasta amarela debaixo do braço, material escolar barato (mas organizado), camiseta da escola e saia azul plissada. Menina chorona.

Sentada na garupa da bicicleta dourada ainda lembro dos comandos:
-Abra bem as pernas. Cuidado pra não por o pé no raio.
-Segura pra não cair pra trás.
-Desça só quando a bicicleta parar.

Meu pai é um homem pesado e o selim de mola - desses que nem se usa mais - chorava triste a cada pedalada. E sempre que o selim furava, era mandando para a tapeçaria para um novo forro e outra espuma.
Cortamos muitas ruas de Itapuranga, meu pai pedalando e eu na garupa. Cumprimentávamos pessoas, parávamos para conversar, íamos ao supermercado, açougue, padaria... roubo ou estacionamento nunca foi um problema naquela nossa vidinha pacata com a Monark.

Quando saia da escola, meu pai já estava no portão me esperando, sentado na bicicleta debaixo da sombra da árvore. Uma lágrima corre do meu olho. É a saudade que falei logo acima me importunando mais uma vez.

Meu filho nunca saberá a sensação de ser pego pelo pai na porta da escola com um Monarkão dourado do mesmo ano do seu nascimento, mesmo porque não fabricam mais bicicletas como antigamente. Bicicletas familiares, daquelas que suportavam uma criança na barra, o pai no selim e a mãe na garupa com outro filho. Também não fabricam mais pessoas com tanta disposição para pedalar e carregar as outras como o meu papai.

Talvez meu filho daqui algumas décadas tenha saudade do tempo em que os pais se apinhavam nos portões das escolas, em seus carros novos com ar-condicionado, impedindo o trânsito e estressados porque precisavam voltar ao trabalho. Talvez...


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