Good job, girl!

Sabe aqueles desenhos animados em que a personagem anda por uma estrada com dezenas de placas dizendo "não vá por aí"? Tipo, cuidado, rua sem saída, volte, eu avisei... E mesmo assim a personagem insiste em ir. Costumo dizer que é o antagonismo que move os desenhos animados, eles são permeados de coisas e situações ilógicas.

Senti-me assim hoje por um breve momento. Permita-me um breve retrospecto. Desde criança tive aptidão para a escrita, gostava de ler e inventar histórias. Quando eu era adolescente tinha muita facilidade para falar em público e apresentar pecinhas teatrais na escola. Pedi um violão de presente de 15 anos. Sempre manuseei qualquer tipo de ferramenta com destreza. Enfim, ao longo desses 29 anos tratei de aprender de tudo um pouco - dentro do que me interessa, é claro, porque sou uma negação em moda, por exemplo. E, assim, fui me tornando uma generalista. Essas pessoas que sabem de tudo um pouco e não se especializam em nada - e me sinto confortável em dizer que o jornalismo é assim também, apesar de nunca tê-lo exercido, sinto-me jornalista em minhas atitudes e posturas.

Enfim, estávamos Pedro e eu na feira hoje e havia um cara dando uma espécie de oficina de modelagem em argila. Sentamo-nos à mesa e fomos brincar. Meu filho fez cobras, xícaras, jacarés, patinhos, sapos, enquanto eu me concentrava em um coelho e um abacaxi. Fi-los com muito esmero, com cuidado no acabamento, na proporção e tudo o mais. Um momento de total relaxamento. Não demorou muito e o instrutor veio falar comigo: "Nossa, ficaram ótimos! Você leva muito jeito pra isso! Já havia feito antes?" Respondi com um pouco de vergonha que não. Nunca havia botado as mãos em argila e que levar meu filho ali foi um excelente pretexto para experimentar.

Seria uma situação trivial, se não fossem outros três elogios além desse que ouvi esse ano. Quando resolvi aprender cartonagem, a moça que estava me ensinando também disse que tenho muita habilidade nas mãos e que pouquíssimas alunas dela eram tão desenvoltas com papéis. Justifiquei que era porque eu gostava muito de brincar com papéis e colagem na infância. 

Algumas semanas depois, o maestro do coral do qual eu participo chamou-me a um canto  e disse que eu deveria estudar música, que sou afinada e tenho uma voz bonita e que seria ótimo se eu pudesse me aprimorar. Agradeci-o e confesso que fiquei vários dias com a vaidade aflorada, por ter sido elogiada por alguém como ele.

Acho que já mencionei aqui, e além de mãe, bancária, jornalista (por formação) e blogueira, também trabalho com fotografia. Entre uma foto ou outra, alguém também elogia meus cliques. Quando alguém esbarra com alguma lorota legal, também ouço um "puxa, você escreve bem". Quando distribuo as verduras e frutas que cultivo no meu quintal, me perguntam como consigo plantar e produzir coisas com tão boa qualidade.

Nobre leitor, talvez eu possa parecer uma pessoa pouco modesta e um tanto orgulhosa se me julgar pelos parágrafos acima, principalmente se você for novo por aqui. Todavia, a grande questão do meu texto vem agora, o motivo de eu tê-lo escrito e a dúvida existencial que me abate nesse momento é que NINGUÉM NUNCA BATEU NO MEU OMBRO E DISSE "VOCÊ É UMA EXCELENTE BANCÁRIA". Compreende agora? As coisas que faço por prazer me rendem louros e reconhecimento. Já no meu trabalho formal, em que trabalharei pelos próximos 21 anos, sou simplesmente medíocre, ou seja, na média. Não sobressaio nas atividades bancárias. Faço-as corretamente, mas não há esmero da minha parte, ou melhor, diria que no meu casamento com o banco há uma relação de interesses e não de amor. Sou casada com o banco, mas tenho amantes a rodo! E eles me mantém jovem, disposta e feliz.

Curioso isso, não é mesmo? Todas as placas indicam que não devo trilhar por ali, entretanto sou impelida pelo antagonismo clássico e paradoxal dos desenhos animados a permanecer na mesma rota. Mas calma, eu não vejo isso como uma coisa ruim... É estranha, mas não é ruim! É como se eu tivesse uma barreira para transpor todos os dias e isso me renova. Talvez se eu trabalhasse com algo que me dá prazer, aquilo deixasse de ser bom, entende? Será que um cara que desenvolve jogos de videogame gosta de jogá-lo aos finais de semana?

Comentários

  1. Eu não ia elogiar dessa vez, só para você descer do salto e ficar mais humilde... Entretanto, não há como negar ou esquecer que seu texto ficou excelente!
    Parabéns mais uma vez!
    Parece que, mais uma vez, você e o seu amante fizeram um sexo selvagem e delicioso...
    E mais, eu diria que seu texto soa como um orgasmo múltiplo!

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  2. Sera que você foi modesta?Imagina...um blog no qual metade de suas publicaçoes você se auto elogia e conta suas "qualidades"infinitas.Acho que você é uma pessoa bem convencida e usa aqui como uma forma de fazer sua propaganda,mas continue assim,se isso te faz se sentir bem né.

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  3. Caro Anônimo, sim, isso me fazia me sentir muito bem. Não sei se tão bem quanto sair por aí criticando as pessoas, não sei se essa prática é mais prazerosa do que os textos que eu escrevia sobre mim ou meus atributos. Na verdade, isso faz pouquíssima diferença agora. De 2017 para cá vimos as relações humanas e os valores serem muito deturpados e, em vista do que estamos vivendo, os meus textos são pueris como uma criança de dois anos. A Ana Paula do futuro vem dizer a você, anônimo do passado, que hoje os tempos são outros, muito mais duros, muito mais vorazes, e que comentários como os seus são quase como atestes de um "good job". A propósito, obrigada por ler todos os meus textos e concluir que metade deles são autoelogios. Eu nunca havia parado para fazer essa estatística.

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