Ente, pra quê te quero?

Um colega meu sempre dizia que tudo que termina em ente é ruim ou dá trabalho. Aí começava: gerente, cliente, parente... Entusiasmada com o seu bom humor, eu continuava a lista: paciente, demente, dor de dente, serpente, reincidente, absorvente, doente, cadente, oponente... Sabemos que há inúmeras palavras que caracterizariam essa regra. Todavia, hoje vim falar de uma em especial: crente.

Perdoem-me meus amigos evangélicos, vocês sabem que eu os amo demais, mas há uns tipos de crente que têm o dom. O dom de ser inconveniente. É preciso falar de Jesus? Sim, é! Ele está voltando? Sim, está! Só que eu peço uma coisa, uma coisinha só, bem pititiquinha... Não me evangelize domingo à tarde depois do almoço. (suspiro)

Domingo é aquele dia preguiçoso, né? Em que deixamos o ócio tomar conta de nós. Ao menos, eu não me sinto obrigada a ser produtiva no domingo. Pois bem. Meu filho e eu saímos para almoçar. Comi como uma clériga, tomei minha cervejinha, um docinho pra rebater e zarpamos para casa. Meu filho foi logo tomando seu posto diante da tevê e eu, no quarto, tratei de tirar aquela roupa quente e ficar como vim ao mundo... estirada na cama... olhinhos fechados até o soninho de domingo chegar... Morpheu e eu já estávamos nos flertando... quando abruptamente (olha o ente aí de novo!), insanamente o interfone toca! 

Peço a Morpheu que me espere, vou à cozinha atender ao bendito interfone, com a educação que me é habitual ao acordar:
_Hum... Quem é?
_A senhora pode vir aqui no portão um minutinho?
_Quem quer falar comigo?
_A sua vizinha.
Pensei o que raios a vizinha poderia querer comigo àquela hora. Entretanto, cogitei a possibilidade de ela estar precisando de ajuda.
_Aguarda um pouquinho.

Volto para o quarto apressada para vestir a roupa e abrir o portão para a vizinha necessitada. Talvez alguma emergência na casa dela ou algum aviso importante. Recomposta como manda a civilização, fui abrir o portão, encontro uma mocinha de uns 16 anos com outra de mesma idade. Se era alguma vizinha deveria ser de várias casas para cima ou para baixo no quarteirão, porque nunca a havia visto antes.

_Boa tarde! Tudo bem? Estamos passando aqui pra deixar esse folheto com a senhora. A senhora é evangélica?
_Não... - respondo desolada ao perceber do que se tratava.
_Então, a senhora precisa se preparar porque Jesus está voltando!

Você, que está aí do outro lado me lendo, certamente achou um pouco de graça não é mesmo? Consegue imaginar a minha cara? Consegue imaginar qual foi a minha reação? O que se passou pela minha mente? Pois vou lhe dizer:

_Olha aqui sua pirralha vadia! Isso são horas de amolar as pessoas em suas casas?!! Eu não quero saber quem tá voltando! Não sabia nem que tinha ido! Eu só sei que eu estava de boa, pelada na minha cama, começando a dormir, depois de ter comido e bebido horrores e você me atrapalhou! Sabe pra quê serve caixinha de correio? Para colocar papéis como esse que você fez questão que eu me vestisse e viesse até aqui abrir o portão só para pegar! Pois olhe o que eu faço com esse papel! (rasgando) E interfone? Sabia  que você poderia ter falado comigo lá de dentro mesmo?! Seus outros irmãos em Cristo fazem isso: colocam os papéis na caixa de correio e falam comigo pelo interfone! Por que? Eu quero saber, por quê você fez tanta questão da minha presença aqui, menina?!

Isso foi o que se passou pela minha mente.

_Tá certo. Obrigada. Boa tarde pra vocês. 

Isso foi o que eu respondi, levando o papel para dentro de casa.

Compreendam que não estou falando mal de quem é evangélico, muito menos da arte de evangelizar pessoas. A minha indignação vem do horário e do modo como fui abordada. É preciso ter sapiência para falar com as pessoas. Eu mesma reconheço que me faltam quilos - talvez até toneladas - delas às vezes. Mas sorte minha que falo pra dentro a maioria delas. Se algumas pessoas me julgam pelo que digo/escrevo, imagina se soubessem o que penso!

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