Lições da escola

Ainda sobre material escolar, gostaria de compartilhar com vocês mais um recorte da minha infância pobre. Antes de começar, quero esclarecer que quando conto episódios tais como o de hoje, a intenção não é outra senão demonstrar a vocês o quanto sou grata pela educação que tive. Fui criada com muito pouco e, por isso, hoje sei valorizar tudo que tenho.

Pois bem, a passagem da qual me recordei enquanto encapava os livros do meu pequeno é que quando eu comecei a estudar, ganhávamos do Governo um caderninho, um lápis e uma borracha. O caderninho era pequeno e de capa mole, com o  Hino Nacional na contra-capa. Mas para nós, era o máximo ganhar um caderno, um mimo. Fazíamos margem nele com caneta vermelha e o encapávamos. Aí que entra a parte mais bacana. O senhor, nobre leitor, acha que nós - estudantes de escola pública, no início dos anos 90, leia-se início da Era Collor - dispúnhamos de quaisquer recursos para comprar plástico para encapar livros e cadernos? Chegava ser heresia cogitar uma asneira dessas! Plástico colante, então! era coisa de menino de escola particular! Burguesinho!

Nossos livros eram personalizados: sacolinhas de supermercado, saquinhos de açúcar, lona, jornais, papel de pão... Certa vez, minha mãe encapou um caderninho meu com um retalho que estava sobrando em seus guardados. Imagine o frisson que não causei quando cheguei com um "caderno revestido em tecido", para os dias atuais. Teve também a vez que meu padrinho foi representante
comercial da Garoto e ele me deu um rolinho do papel amarelo escrito Garoto em vermelho que usavam para forrar as gôndolas nos supermercados. Uau!!! Meus livros eram únicos na escola todinha! Ninguém tinha um livro com a capa igual a minha! Vergonha? Não, nunca tive. Éramos todos pobres. Alguns até mais do que eu... Não tinha porque me envergonhar. A precariedade era tanta onde estudei, que alguns pais colocavam os filhos em turnos alternados para que usassem a mesma camiseta de uniforme - que era apenas uma para os dois irmãos.

Logo, aprendi desde cedo a valorizar o que tenho e ontem, ao arrumar o material do meu filho, que estuda em escola particular e que, portanto, não ganha cadernos, tampouco livros, sequer um lápis do Governo, percebi que isso fará falta a ele um dia. O "não possuir" coisas ajuda a moldar a índole e o caráter das pessoas e sei que meu filho crescerá sem essa experiência. E por mais que tentemos educar, explicar e ensinar, não há nada como a vivência para gravar aprendizado no coração das pessoas.

Comentários

  1. Fantástico o seu insight de sensibilidade e nostalgia. Tive sensação semelhante ao correr atrás de livros, matrícula e materiais para a minha filha. A comparação com os tempos remotos de nossas infâncias é inveitável e até certo ponto incoerente diante das facilidades de hoje, da fartura de recursos (e bolsos esvaziados) e da grande incerteza sobre o futuro de nossos pequenos (afinal é diferente demais do nosso passado).
    Resta acreditar que estamos fazendo o melhor pelo futuro de nossas crianças e sobretudo fazer a nossa parte para que a diferença não fique apenas na sala de aula... Quem sabe no futuro o Pedro escreva num blog sobre a quantidade de papel e livros que eram usados na época dele, sobre a excessiva padronização de materiais e comportamentos... confesso que estou curioso! Vamos esperar...
    Parabéns pelo vosso texto!!!

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  2. Um boa ideia a sua,entrar como anonimo e se auto elogiar.Eu tambem faria isso se meu blog nao tivesse nenhum leitor alem de eu mesmo.

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    1. Desculpe-me a demora em responder. Provavelmente quem escreveu nem lerá essa resposta, mas acho importante justificar afrontas assim. Não, eu nunca elogiei nenhum texto meu anonimamente, mesmo porque os textos já são "autoelogiativos" e eu não precisaria dessa dose de reforço. E, aparentemente, eu não sou a única leitora do meu blog, tampouco a única a comentar. Incoerência: a gente vê por aqui. ;)

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